"Ou você é livre, ou você não é. Ou você é livre e a coisa é autêntica, real, viva, ou não é nada." (A humilhação, Philip Roth)

domingo, 19 de dezembro de 2010

Regalo de Don Gabo, desde La Paz

hoje recebi essa lindeza de meu amigo Gabo, direto de La Paz. Gostei MUITO!!

The Laughing Heart (Charles Bukowski)



your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

Documentário "Cocalero"

Ontem assisti ao documentário Cocalero, do argentino Alejandro Landes. Um filme interessante, que mostra a primeira campanha presidencial de Evo Morales, mas, mais que isso, também mostra bem a organização e luta dos cocaleros. Em especial das mulheres cocaleras, como Leonilda Zurita.
Confesso que o que mais gostei foi ouvir o espanhol boliviano e ver imagens de Cochabamba, La Paz, outras cidades e paisagens bolivianas.
Não me entendam mal, o filme é bom. Muito bom, aliás. Mas sinto saudades da Bolívia... ainda mais em uma semana em que aconteceu a banca de qualificação de meu doutorado e "respirei Bolívia" diariamente...
Sinto saudades da paisagem do Altiplano, do vento, do cheiro, de ver os picos nevados... sinto saudades das pessoas com quem vi, senti, vivi a Bolívia e o Altiplano.
O vento no Altiplano parece o vento do pampa. É gelado, mas não é úmido como no extremo sul. Em ambos lugares o vento muitas vezes me fez pensar... e eu, que há tanto tempo não ouvia o vento, voltei a ouvi-lo no Altiplano... De fato, jamais esquecerei, foi em Uyuni que consegui voltar a ouvir o vento. Jallalla Bolívia!!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Mario Benedetti - outro poema de Las soledades de Babel

El infinito
L'eternité n'est guère plus longue que la vie
RENÉ CHAR

De un tiempo a esta parte
el infinito
se ha encogido
peligrosamente.

quién iba a suponer
que segundo a segundo
cada migaja
de su pan sin límites
iba así a despeñarse
como canto rodado
en el abismo.

Mario Benedetti - Las soledades de Babel

Somos la catástrofe

La labor de los intelectuales de América Latina ha sido, en general, catastrófica,
OCTAVIO PAZ

Hay una dignidad que el vencedor no puede alcanzar.
JORGE LUIS BORGES

Dice octavio que en latinoamérica
los intelectuales somos la catástrofe
entre otras cosas porque defendemos
las revoluciones que a él no le gustan

somos la catástrofe asimismo
porque hemos sido derrotados
pero ¿no es raro que octavio ignore
que la verdad no siempre está
del lado de los victoriosos?

de cualquier manera
ya que con la derrota aprendimos la vida
exprimamos la memoria como un limón
quedémonos sin ángeles ni demonios
solos como la luna en el crepúsculo

desde paco pizarro y hernán cortés
hasta los ávidos de hogaño
nos han acostumbrado a la derrota
pero de la flaqueza habrá que sacar fuerzas
a fin de no humillarnos / no humillarnos
más de lo que permite el evangelio
que ya es bastante

para bien o para mal no es imposible
que los veteranos del naufragio
sobrevivamos como tantas veces
y como tantas veces empecemos
desde cero o desde menos cuatro

es casi una rutina

los derrotados mantenemos la victoria
como utopía más o menos practicable
pero una victoria que no pierda el turno
de la huesuda escuálida conciencia

los vencidos concebimos el milagro
como quimera de ocasión
pero siempre y cuando sea un milagro
que no nos cubra de vergüenza histórica
o simplemente de vergüenza

sábado, 20 de novembro de 2010

Um ano atrás...

Um ano atrás eu estava em La Paz, em frente ao mesmo computador (mas com MUITO mais roupas... fazia frio e chovia), ouvia música, como agora, e pensava na tese de doutorado em antropologia que me meti a fazer... como agora...
Hoje é 20 de novembro, dia da consciência negra. Dia em que Vini se despede de La Paz e meus amigos "paceños" estão todos reunidos por lá para se despedir dele. Dia em que trabalhei na tese e fui à casa da Helô... Saudades de quando a casa dela era também a minha. De quando tinhamos todo o tempo para falar das tesis e da "tessitura", como diz Elenita (a quien extraño tanto!!). Da minha janela eu vejo a lua... um ano atrás eu via as ladeiras e cejas de La Paz... tantas coisas mudaram e tão pouco mudou. Tenho a impressão que o mais doce da vida é mudar completamente, e perceber que por mais que mudes, o que és, quem és, não muda. Eu sou!! Sempre fui... só não tinha percebido.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

IDH 2010

Em 04 de novembro o PNUD publicou o rank de países de acordo com os indicadores do IDH. Bolívia está em 95° lugar. Apesar da mudança de metodologia para o cálculo do índice, algo que é um impeditivo para comparações com anos anteriores, é de se notar que a Bolívia apresenta uma mudança de posição impressionante, uma vez que ano passado estava em 113°. No entanto, o país continua apresentando desigualdades, em especial relativas às questões que envolvem origem étnica e gênero, indicando que ainda há muito por fazer no país.
O IDH é um índice que foi criado há 20 anos e a edição de 2010, como já mencionamos, trouxe algumas mudanças de metodologia, o que impede a comparação com anos anteriores. Criado pelos economistas membros da ONU, Mahbud ul Haq e Amartya Sen, para medir o nível de desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas, o IDH considera outros indicadores além dos econômicos. Assim, um determinado país pode ter altos índices de renda e possuir um IDH baixo. Isto acontece porque as outras variáveis incluídas no índice, como longevidade e educação, têm um grande impacto no resultado final.
Sobre a atual situação da Bolívia, o PNUD-Bolivia lançou o livro Los cambios detrás del cambio - Desigualdades y movilidad social en Bolivia (Link: http://idh.pnud.bo/index.php?option=com_hello&view=noticias ).
Para ler comentários do PNUD sobre o IDH na América Latina e acesso a mais informações sobre o tema no site das NU: http://hdr.undp.org/en/media/PR4-HDR10-RegRBLAC-PT-rev2.pdf

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Outra festa surpresa de aniversário...

E eis que, um ano depois, ganhei outra festa supresa de aniversário!! Dessa vez foram minha mãe e irmã que organizaram. Os amigos vieram, comemos churrasco no quintal e nos divertimos.
Foi inevitável lembrar do ano passado em La Paz... foi invitável sentir saudades de todos, todas e de tudo...
Helô também veio!! Dançamos músicas que nos lembram La Paz e, como ela definiu, tivemos nosso "momento 'piada interna'." Porque só nós estavamos achando o máximo ouvir e dançar aquelas músicas... hehehe
Faltou muita gente... muita gente que está lá nas alturas, com os Apus, e gente que está no velho continente... também gente daqui que entrou na minha vida e as gurias ainda não conhecem... Mas tudo bem, foi bom comemorar meu aniversário da maneira mais caseira que posso imaginar... que esse ano novo seja tão bom quanto o que passou!! ;)
Agradeço aos amigos pelo carinho, tanto aos que apareceram por aqui, como aos que me enviaram mensagens e e-mails tão lindos!! Os quiero mucho!!

sábado, 30 de outubro de 2010

Texto da amiga Luciana Duccini

Memórias esparsas da migração sem fim

Em muitas ocasiões, as memórias antigas que me vêm são um pouco mais doces, mas nesse exato momento elas foram varridas para algum canto obscuro. São os debates do entorno que as fazem retornar amargas e cheias de rancor. Mas não se trata de um rancor pequenino, vindo das muitas feridinhas pessoais. Trata-se de amargor mais vago, porém mais vasto, acordado pela invasão dos ouvidos por velhos ódios. Explico-me. Cresci na grande locomotiva produtiva, orgulho de um país que se queria branco e norte-americano. A velha Europa já era, então, um museu de ideais decadentes e socialismos mal ou bem acabados. Em meio aos nossos infinitos quilômetros de asfalto preto, incontáveis blocos de concreto empilhados, imensuráveis paredes de vidro espelhado e canais domesticando rios, fomos ensinados a reconhecer nossa superioridade de “povo”. Um povo que mantinha suas plantas, animais, crianças e “outros” sob minucioso cuidado em seus canteiros bem demarcados. Bem diferente daquela “sub raça” a quem alimentávamos com a caridade do suor de nosso labor, era o que nos diziam. Não nós! Os industriosos, trabalhadores incansáveis que acordavam cedo para ficar parados no trânsito. E com nossos impostos, ora veja, alimentávamos os subnutridos, preguiçosos, analfabetos que invadiam os cantos de nosso paraíso industrial.

Eram, nos diziam, por natureza assim: incapazes de cuidar da própria vida e vinham aos magotes, nos meios mais precários para enfeiar nossas praças. Evidentemente, não tinham cultura nem preparo psicológico para se adequar à dura realidade do trabalho cotidiano e responsável. Por certo, desse modo, nunca conseguiam se inserir completamente em um dos muitos postos de trabalho oferecidos a quem estendesse a mão. Quando dotados de certa energia ainda serviam para algo, como domésticas, babás, diaristas, pedreiros, porteiros. Aquela gente feia e ignorante com a qual éramos obrigados a conviver para que não morressem de fome, já que ali estavam. Não resta sombra de dúvida que, por exemplo, uma babá ideal, além de branca, seria formada em pedagogia. De preferência, filha de uma boa família de nossas relações, mas o que se faria, então, dos milhões de nordestinos que haviam invadido a metrópole?

Uma das primeiras cenas de desprezo pelo outro de que me lembro ocorreu quando eu tinha cerca de onze ou doze anos. Havia viajado de férias para a casa de avós de amigos, que não chegava a ser um sítio, mas tinha uma família de caseiros. Um tarde, após o lanche, nos encontrávamos todos na sala de televisão, crianças e adultos juntos. O caseiro entrou para falar algo com o patrão, terminou o assunto de trabalho e teve sua atenção captada pelo programa que, então, se apresentava. Muito generoso, o avô de meus amigos, lhe convidou para assistir ao programa. Agachado num canto da sala. Mais tarde, repreendido pela própria filha, o senhor explicou: “em minha casa, empregado, se quiser sentar, senta no chão”.

Era assim que essas pessoas encontravam trabalho na metrópole que, sonharam, as afastaria da pobreza de um país ainda dominado por grandes coronéis sem patente alguma. Chegavam na imensa cidade domesticada, mas para elas não havia lugar. Iam buscá-los nas fímbrias das ocupações bem construídas. Por vezes, bairros próximos e decadentes onde se podia encontrar imóveis abandonados por donos que, evidentemente, não precisavam deles no momento em que seu valor de mercado estava baixo. Ou onde havia espaços vazios suficientes para que se erguessem as paredes de madeira e papelão que lhes serviriam de abrigo. Ao passar de carro, fechávamos os vidros. Os rostos se espreitavam mutuamente, mas medo era só o que se trocava. Lembro-me bem da região das avenidas do Estado e Ricardo Jafé. Todas aquelas pessoas na beira da rua, pois não havia calçada, homens, mulheres, crianças, suas janelinhas de compensado colorido, seus tetos de Eternit e o modo como observávamos uns aos outros. Eles, talvez, apenas pensando quando poderiam ter um carro igual ao do meu pai. Eu, porém, me perguntando porque eram tão estranhos. Quando questionados, os adultos me diziam: “são os pobres”. Mas por que são pobres? “Porque não têm trabalho”. Mas por que não têm trabalho? “Porque não estudaram.” Mas por que não estudaram? “Por que têm muitos filhos”. Pela minha idade, imagino que o ilustre dr. Elcimar Coutinho já havia concluído, ou estava concluindo, seu curso de medicina e se preparando para propagar a esterilização de mulheres pobres como forma de responder às “minhas” inquietações.

É conveniente acrescentar que essas minhas memórias são de uma época em que ainda vivíamos sob a ditadura militar. Residindo no ABC Paulista, tive o privilégio de assistir, pelas frestas das janelas, algumas manifestações das Grandes Greves. Para mim eram momentos de emoções confusas, mistura de medo, excitação e incompreensão. Minha mãe sempre explicava que os trabalhadores lutavam por salários justos e melhores condições de trabalho. Parecia-me altamente razoável, mas mesmo assim, ficávamos sem ir à escola. Dizia-se – uma criança não consegue identificar fontes de boatos – que, se saíssemos às ruas, os trabalhadores em greve virariam nosso carro e nos apedrejariam. Nunca entendi o porquê. Afinal, não éramos nós que lhes pagávamos maus salários. Por que haveríamos de ser suas vítimas? Pelo sim, pelo não, minha mãe preferia seguir a multidão apavorada e trancada em casa. Enquanto isso, meu pai ficava morando na fábrica. Um dia chegava um motorista para, rapidamente, pegar a mala que minha mãe havia preparado e não sabíamos em quantos dias ele iria voltar. Naquela época, sendo ele um homem justo, eu achava que estaria defendendo os salários dos operários. Para meu grande desapontamento, descobri depois, que negociava pela fábrica. Foi quando aprendi que pessoas muito boas podem estar do lado errado.

O medo que sentíamos dos trabalhadores só podia ser comparado àquele de quando fugiam presidiários em julgamento no Fórum em frente ao qual morávamos. Os policiais corriam a avisar aos vizinhos e, novamente, nos trancávamos em casa. Nunca ouvi um tiro sequer, mas o terror se concretizava nas janelas fechadas em pleno dia.

Esses operários a quem temíamos, por mera questão lógica, não poderiam ser aquelas pessoas que eu via à porta de seus barracos, já que possuíam empregos, logo deveriam ter estudado alguma coisa, logo não deveriam ter tantos filhos. Mas, no estereótipo das massas perigosas, todos se misturavam: os rostos magros, muitas vezes pretos e sujos dos que moravam nos casebres à beira das avenidas ou embaixo dos viadutos e aqueles dos que vestiam macacões. É a receita do medo difuso e persistente do outro que não é como eu, mas que eu nem sei em que não é como eu. É esse medo que vejo ressurgir hoje, com imensa tristeza. É esse medo que vejo nos blogs que falam das famílias que vivem do “bolsa miséria”, na demissão da psicanalista Maria Rita Kehl, nas mensagens que nos ameaçam com rosto difuso de índios misturados com Hugos Chaves. É o medo que fala sobre “os rincões do Brasil”, onde felizmente, hoje, vivo.

Como eu me libertei desse medo, não tenho certeza, mas acho que foi quando comecei a me tornar uma migrante. Muito antes de mudar de Estado, quando as freiras do meu colégio nos levaram para montar uma escolinha na favela do Heliópolis – que não durou muito tempo graças ao pânico gerado entre mães, a minha foi exceção, justiça seja feita – ou quando fiz amizade com alguns punks do ABC, ou quando abandonei a Publicidade pelas Ciências Sociais. Talvez tenha sido na Bahia, quando comecei a fazer trabalho de campo nas periferias distantes que a classe média soteropolitana nem sabe onde fica. Enfim, não importa, o que importa é que o meu medo hoje virou ao contrário: tenho medo que o ódio à diferença vença. Tenho medo dos discursos vazios e inflamados que a direita nos lança ao rosto, como se eu, que saí do lugarzinho estreito que ocupava, não soubesse do que falo e eles sim. Tenho memória, meus senhores, e por mais que eu migre, ela me acompanhará.

Luciana Duccini

Professora e cidadã

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Entrevista de Eduardo Galeano, El País

(Porque sempre é bom pensar sobre o que diz Galeano...)

"Hay una demonización de Chávez"

ÓSCAR GUTIÉRREZ - Madrid - 10/09/2010


El reloj, para Eduardo Galeano (Montevideo, 1940), marca todavía hora de la capital uruguaya aunque el ruido que se cuela en la charla por la ventana llega de la Puerta del Sol. "Disculpa si digo muchas tonterías. Es el jet lag". Ni por asomo, las cinco horas que separan a Madrid de la capital uruguaya ponen patas arriba la palabra del autor de Las venas abiertas de América Latina. El escritor ha visitado España para participar en la Semana de la Cooperación que organizan la AECID y la agencia Inter Press Service, ocasión que aprovecha para "echar un vistazo al mundo de hoy, un mundo al revés".

Pregunta. Vargas Llosa ha escrito que aún se considera periodista. ¿Y usted?

Respuesta. Sí, pero hay una tradición que cree que el periodismo es un ejercicio que se practica en los bajos fondos de la literatura, y en lo alto del altar está la creación del libro. No comparto esa división de clases. Creo que todo mensaje escrito forma parte de la literatura, incluyendo los grafiti de las paredes. Hace tiempo que, sobre todo, escribo libros y muy pocos artículos. Pero me formé en eso y tengo la marca de fábrica. Le agradezco al periodismo que me haya sacado de la contemplación de los laberintos de mi propio ombligo.

P. En ocasiones cita la frase de un anónimo: "Nos mean y los diarios dicen que llueve". ¿Sigue lloviendo?

R. Es un grafiti que vi en una calle de Buenos Aires. Las paredes son la imprenta de los pobres. Sigue lloviendo. Empezando por la imposición de un lenguaje mentiroso. Cuando llaman contratistas a los mercenarios mienten; cuando llaman catástrofes naturales a los desastres que el mundo sufre mienten también, porque la naturaleza no tiene la culpa de los crímenes que se cometen contra ella; se invoca a la comunidad internacional y se refieren a un club de banqueros y guerreros que dominan el mundo.

P. Hace tiempo que no escuchamos que la prensa es el cuarto poder. ¿Hemos bajado un peldaño?

R. No. Se han desarrollado formas de comunicación que te devuelven la confianza en que este mundo al revés es un centro de paradojas interesante. Internet nació al servicio de la industria militar, y luego se convirtió en otra cosa distinta. Se multiplicaron las voces no escuchadas que sonaban en campana de palo. Ha contribuido al desarrollo de formas alternativas de comunicación. Yo soy prehistórico y necesito que un diario me cruja las manos, el olor de la tinta y el papel. Tampoco puedo leer un libro en pantalla. Me gusta mucho el papel en la mano, el libro que me apoyo contra el pecho, lo escucho poniendo contra la oreja las palabras que transmite aunque a veces parecen muertas en el papel.

P. El encuentro de la AECID e IPS pretendía implicar a los medios en un "desarrollo más inclusivo". ¿Se nos olvidó incluir a alguien al contar la crisis?

R. Hubo una manipulación, creo que no inocente, de los grandes medios de comunicación de tal manera que los autores de la catástrofe, los banqueros de Wall Street, terminaron en algo similar a la inocencia hasta creer que la culpa de la crisis la tenía Grecia. Pero también hay voces alternativas que suenan como las radios comunitarias. Han sido despreciadas y perseguidas en muchos países, pero ahora han ido encontrando su lugar. Las voces de la gente, sin intermediarios, suenan más verdaderas.

P. ¿Existe una menor implicación ideológica del periodista?

R. Cualquier forma de apoyo de la diversidad de las voces humanas me parece estimulante, tenga la forma que tenga y se le ponga la etiqueta que se le ponga. Creo en la diversidad de la condición humana. Lo mejor del mundo es la cantidad de mundos que tiene. En Espejos. Una historia casi universal (2008) intenté abarcar el mundo sin hacer caso de las fronteras, el mapa o el tiempo para celebrar la diversidad.

P. Los episodios de violencia contra la prensa de los setenta en América Latina se repiten en nuestros días. ¿Se puede librar el periodista de la coacción?

R. Hay espacios de independencia que es posible abrir. En Argentina dirigí la revista cultural Crisis. Pero me tuve que ir porque la revista prefirió quedar parada y no inclinarse ante la voluntad del golpe militar triunfante que implicaba una censura cada vez peor. Pero mientras duró fue una experiencia extraordinaria. Llegamos a vender 35.000 ejemplares. Para los militares tenía un tufillo subversivo porque se le daba la palabra a los que habían nacido para tener la boca cerrada. Mi experiencia de vida me ha enseñado que todos tenemos algo que decir a los demás, algo que hacer por los demás, celebrado o por lo menos perdonado. Algunas voces resuenan y otras no. Hay muchos que están condenados al silencio eterno. A veces las voces desconocidas, despreciadas, ignoradas son mucho más interesantes que las del poder y sus múltiples ecos.

P. En Venezuela, Argentina, Bolivia, Ecuador, los Gobiernos andan a la gresca con los medios de comunicación...

R. Las generalizaciones corresponden a una visión de nuestra realidad, la latinoamericana o del sur del mundo, que el norte tiene. Los débiles, cada vez que intentan expresarse o caminar con sus piernas, resultan peligrosos. El patriotismo es legítimo en el norte del mundo y en el sur se convierte en populismo o, peor todavía, terrorismo. Las noticias son muy manipuladas, dependen de los ojos que las ven o el oído que las escucha. La huelga de hambre de los indios mapuches en Chile ocupa poco o ningún espacio en los medios que más influencia tienen, y una huelga de hambre en Venezuela o Cuba merece la primera plana. ¿Quiénes son los terroristas? ¿Son piratas los que asaltan los barcos o los que pescan violando las leyes y los límites?

P. El presidente venezolano, Hugo Chávez, es uno de los que andan enzarzados con la prensa ¿Tenemos veredicto con él?

R. Hay una demonización de Chávez. Antes Cuba era la mala de la película, ahora ya no tanto. Pero siempre hay algún malo. Sin malo, la película no se puede hacer. Y si no hay gente peligrosa, ¿qué hacemos con los gastos militares? El mundo tiene que defenderse. El mundo tiene una economía de guerra funcionando y necesita enemigos. Si no existen los fabrica. No siempre los diablos son diablos y los ángeles, ángeles. Es un escándalo que hoy, cada minuto, se dediquen tres millones de dólares en gastos militares, nombre artístico de los gastos criminales. Y eso necesita enemigos. En el teatro del bien y del mal, a veces son intercambiables como pasó con Sadam Husein, un santo de Occidente que se convirtió en Satanás.

Vídeo Abuela Grillo

http://www.vimeo.com/11429985

Corto animado producido en The Animation Workshop en Viborg, Dinamarca, por The Animation Workshop, Nicobis, Escorzo, y la Comunidad de Animadores Bolivianos, el cual tiene el apoyo del Gobierno de Dinamarca.
Animado por 8 animadores bolivianos, dirigido por un francès, musica por la ambasadora de bolivia en Francia, composida por un otro francès, un proyecto danès, ajuda de produccion por un mexicano y una allemana. Adaptado de un mito ayoreo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Fascinação pelo silêncio de Mary Farrel

( http://www.fronterad.com/?q=fascinacion-por-el-silencio)

(Trad. Caroline Cotta de Mello Freitas)

Hoje é domingo, e a cidade não emite som algum, nem do ocasional pássaro, nem de um carro distraído, nem dos cachorros em seu passeio matinal. Nada. É um silêncio quase total. Não é um silêncio triste, nem ameaçador, nem de uma solidão indesejada, se trata simplesmente de um lindo momento de quietude que me permite refletir sobre o silêncio.

Já faz tempo esse assunto me fascina em todas as suas ramificações. Começou a me intrigar devido a um pequeno mal estar pessoal. Não agüentava as constantes interrupções nas conversas. Esperava com irritação a minha vez. Parecia que todo mundo falava ao mesmo tempo. Quando escutavam? Como sabiam do que falavam os outros?

Em minha formação familiar, ou talvez cultural, a interrupção era considerada falta de educação. Não entendia, portanto, o costume mediterrâneo que, pouco a pouco, se revelava como participativo, simpático e, para minha surpresa, compreensível. As conversas se desenvolviam sem pausas, e se solapavam continuamente. Quando, por algum motivo, chegava o silêncio, se dizia: “Acaba de passar um anjo”.

Deste modo, me dei conta do pouco valor que na cultura espanhola e talvez também na latina, se atribui ao silêncio. Depois de muitos anos vivendo na Espanha, fui viajar com uma amiga de Nova York. Em um dado momento, durante nossa excursão de três dias de bicicleta pela campina inglesa, minha companheira me disse, chateada: “Você não para de me interromper”. Sem me dar conta, tinha adotado o costume latino de interromper constantemente o outro durante as conversas.

Esta experiência me deu ainda mais estímulo para continuar refletindo sobre o significado cultural dos usos do silêncio.

Efetivamente, enquanto certas culturas consideram pernicioso o silêncio durante uma conversa, outras consideram adequado realizar uma pausa de um ou dos segundos depois a intervenção de alguém, para dar margem a outra intervenção. Existem também outras culturas que permitem umas pausas ainda mais longas para dar tempo para pensar sobre o que foi dito e preparar o que se vai dizer em sequência. Estes crêem no dito: “É preciso pensar antes de falar”.

O silêncio, como tema de pesquisa, cada dia me intrigava mais. Inicialmente examinei o contraste entre o silêncio e o ruído. Logo comecei a captar as diferenças entre uns silêncios e outros. Perguntava-me onde se encontram os silêncios e qual era a importância de cada tipo. De fato, existem silêncios pacíficos e silêncios perniciosos. A compreensão de determinados silêncios pode ajudar a fomentar a paz, ou provocar o conflito.

Nossos provérbios e ditos estão cheios de advertências sobre o papel do silêncio em nossas vidas. Por exemplo, em espanhol temos o dito: “O bebê que não chora, não mama”. Sem dúvida, a cultura chinesa prega o oposto: “O pato que grasna recebe a primeira bala”. Ou seja, vai para a panela primeiro. Ou, no Japão se adverte que: “O prego que sobressai é o que recebe a martelada”.

O Evangelho de São João nos conta como Pilatos disse a Jesus: De onde és tu? Jesus não respondeu, atitude que enfureceu ao político que, por sua vez, o ameaçou com essas palavras: Não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e poder para te crucificar? É preciso avaliar os perigos que podem conter certos silêncios. Inclusive, se inventou a tortura para obrigar a falar, e a ameaça de morte para obrigar a calar.

Se poderia fazer uma escala de periculosidade sobre o falar e o calar. Às vezes, a valentia de falar para proteger a justiça custa pouco (oferecer alguns comentários positivos para respaldar uma vítima de assédio no trabalho). Às vezes, a valentia de guardar silêncio custa muito, como no caso da família que protegeu Anne Frank.

Ao longo dos últimos anos refleti muito sobre o papel que tem o silêncio na convivência humana. A seguir mostro alguns exemplos:

No âmbito doméstico, ao nos abstermos de soltar um comentário negativo acalmamos uma situação. No âmbito do trabalho, pode ser importante não meter lenha em uma sessão de fofoca. E, nos âmbitos diplomáticos, de negócios ou de estudos internacionais, convém ser muito cauteloso e observador para detectar as regras não escritas sobre os usos do silêncio. Assim evitaríamos alguns mal entendidos baseados em impressões, interpretações feitas a partir de nossos próprios padrões sociais. Essa pessoa é mal educada, ou está agindo de acordo com algum código de relações diferente do meu?

Hoje em dia se instruem aos alunos das altas escolas de negócios na arte de perceber os códigos silenciosos, e em como agir sem ofender nem ser ofendido. Na sociedade contemporânea é indispensável aprender a calibrar os usos do silêncio.

Quanto a mim, sigo fascinada com o silêncio, ou os silêncios, em múltiplas áreas da vida humana, que, dado sua pouca importância, frequentemente passam desapercebidas. As seguintes categorias incluem variações do silêncio: a filosofia, a arte, a literatura, a música, o cinema, a aventura (o deserto, os pólos, a montanha), a poesia, a espiritualidade, a surdez, o autismo, a saúde e seus tabus, o zero (é um nada), as finanças e a política, a física (o ruído), e o humor (a ironia).

E, talvez, como diz Hamlet: O resto é silêncio.


domingo, 12 de setembro de 2010

La Paz também é a minha casa...

Ontem fui à comemoração de aniversário de uma amiga muito querida. Enquanto conversava com Joana sobre La Paz, soltei um dos atos falhos mais explícitos dos quais me lembro de já ter dito... eu disse: "é que La Paz é uma casa..." Chamei a cidade de casa!! Estava descrevendo a cidade e, así no más, disse casa. Sim, eu me senti em casa em La Paz... sim, La Paz, como São Paulo, é minha casa, com tudo o que isso significa. Aí me dei conta da sorte que é ter mais de uma cidade-casa, ainda mais porque não nasci em nenhuma delas e sempre terei Porto Alegre como meu ninho, ou seja, tenho a cidade-casa onde nasci e duas cidades-casa que escolhi... ou que me escolheram... não sei...
O fato é que essa semana foi de "encontros paceños". Terça passada e ontem encontrei Dado Galdieri, fotógrafo brasileiro (link para conhecer o trabalho dele abaixo) que conheci em La Paz (viveu por lá uns bons anos... hoje está morando em Lima com a sua linda família) e se tornou um bom amigo, que está de passagem por São Paulo. Hoje fui à abertura da exposição do amigo Miquel García (dois links para conhecer um pouco do trabalho dele abaixo), na Casa das Caldeiras, em que ele apresenta o trabalho que realizou na Bolívia e esses reencontros me deram ainda mais saudades de lá... Sim, ando nostálgica... Não triste. É que cada sopro da experiência boliviana, como encontrar Dado e Miquel, além de ver o trabalho que Miquel fez na Bolívia, me fazem sentir bem, menos lejos de tudo o que vivi por lá... E como é bom ver amigos fazerem coisas lindas... como é bom rever gente buena onda, gente que encontrei em La Paz, gente que essa cidade-casa me presenteou... espero poder reencontrar mais dessas gentes...


Dado Galdieri: http://dadogaldieri.photoshelter.com/

Miquel García: http://www.hangar.org/gallery/album323
e
http://web.me.com/kakaeka/Caldeiras_Blog/OBRAS_EM_CONSTRU%C3%87AO/Entries/2010/6/16_EM_PROCESSO.html

domingo, 5 de setembro de 2010

Saudades...

Sinto saudades do frio, dol sol do altiplano, dos Apus, do cheiro de folha de coca, de caminhar por La Paz... sinto saudades de tantas coisas, de tantas "gentes"... sinto saudades da "sopa de letrinhas" paceña, da mistura de pessoas e de sotaques, todos tentando falar espanhol. Tentavivas que às vezes viravam um "frantuguês"(francês+português), "portunhol"(português+espanhol) ou um "itaguês" (italiano+português), quando nos parecia que nos expressarmos em nossas línguas mães seria mais eficiente para a compreesão por parte de nossos interlocutores que também não eram hispano hablantes. Dessa "sopa de letrinhas" participavam, pacientemente, meus amigos bolivianos e espanhóis, que explicavam que essa ou outra expressão não era espanhol, mas português, francês ou italiano... que me entendiam apesar do meu sotaque e que me ensinaram muito!! Não só a falar melhor a língua de Cervantes, mas de tudo. Meus amigos bolivianos me explicavam coisas da Bolívia, da América Latina... E, apesar do esquisito da situação, uma vez que sou latino americana, já não se assustavam mais com o fato de terem que me explicar, por exemplo, quem era esse/essa cantor/cantora famossísimo/a e de quem eu não fazia a mais remota ideia da existência. Aprendi muito. Sobre a América Latina, sobre o Brasil, sobre música, sobre arte, sobre direitos, sobre feminismo, sobre a esquerda e a direita latino americanas, sobre a vida...
Um ano atrás eu estava em La Paz, dividia um apartamento com Christelle, francesa, e passavamos horas conversando, à noite, em frente à janela da sala, que tinha uma vista linda de La Paz. Chris tinha um dicionário francês-espanhol e, como naquela altura nenhuma das duas dominava bem o castellano, esse dicionário era o nosso melhor companheiro nessas tertúlias. Ficavamos ali, sentadas no escuro, admirando a maravilha da cidade, suas ladeiras, suas montanhas, tomavamos mate de coca e dividiamos nossas descobertas cotidianas sobre a Bolívia. Dividiamos nossos avanços e encantamento. Sinto saudades de dividir a paixão e o maravilhamento... Sinto saudades de comer marraqueta (o melhor pão que alguém pode encontrar em La Paz...), de ir ao show do Atajo!, de tomar Paceña ou Huari, de rir por Sopocachi, de ir ao Conamaq, de frequentar as livrarias e bibliotecas de La Paz, de assistir a debates no MUSEF, no Hall da Vicepresidência e no auditório do Banco Central... de ver whiphalas tremulando... de escutar: "Eso no es desfile, es marcha de protesta!!" Esclarecimento para que nenhum transeunte tivesse dúvidas em relação ao que presenciava. Tenho saudades de ver crianças de rostos redondos e corados... do colorido dos aguayos que, nas costas das mulheres, enchem La Paz de cor. Sinto saudades sotaque alteño, do sotaque paceño, de ouvir morenada, cueca e outros rítimos no minibus ou no táxi... Tenho saudades de La Paz e da Bolívia...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Bolivia que só a Veja não vê

A Bolívia que só a Veja não vê

por cristiano última modificação 18/05/2010 14:09 Caroline Cotta de Mello Freitas e Vinicius Mansur

A Veja, por possuir essa perspectiva distorcida sobre “o que é ser índio”, afirma, portanto, que Morales não é indígena por não falar aymara fluentemente ou por ser solteiro


Caroline Cotta de Mello Freitas e Vinicius Mansur

Publicada na edição 2164 da revista Veja, de 12 de maio deste ano, a matéria “A farsa da nação indígena”, referindo-se à Bolívia, traz uma série de equívocos e de fatos descontextualizados que, juntos, dão forma a um texto totalmente preconceituoso com o país e com o processo político por ele vivido atualmente.

Apesar do repórter Duda Teixeira assinar o texto de La Paz, é difícil crer que um jornalista esteve nesta cidade e, ainda assim, intitulou sua peça jornalística tal qual foi publicada. Só não percebe os traços indígenas da maioria da população quem passou por aqui e não olhou a cara das pessoas. Quem caminhou pelas ruas de ouvidos tapados ignorando os “aymara e quechua-hablantes”. Quem não se permitiu aos olores, não provou da comida, não buscou saber da música, não buscou na literatura, enfim, quem censurou todos os sentidos e quase todas suas formas de reprodução. De tal maneira que desatar tantos devaneios travestidos de jornalismo nos consumiria o espaço de toda uma edição da revista. Mas vamos a alguns pontos.

Alguns dirão que La Paz não é a Bolívia e, de fato, a Bolívia é muito mais diversa, para se ter uma idéia são 36 povos indígenas no país, além de afrobolivianos, grupos descendentes de imigrantes e muitos mestiços. O autor do artigo pode alegar que a dita farsa não é obra do povo boliviano, senão dos líderes do “processo de cambio”. Porém, a própria matéria cita que a nova Constituição – resultado de uma Assembléia Constituinte, posteriormente aprovada em referendo popular durante a primeira gestão de Evo Morales – considera a Bolívia um Estado Plurinacional. Afinal, onde está a farsa?

De maneira oportunista, o texto segue manipulando informações sem critério para criticar as medidas de orientação indigenista do governo, porém utiliza os argumentos de outros indigenistas quando estes sustentam críticas ao poder executivo, transformando a matéria em um malabarismo argumentativo que, ao final, caricaturiza toda expressão indígena e reduz a diversidade e as possibilidades políticas que se apresentam dentro do processo de mudanças.

A Veja afirma que o projeto político do MAS (partido de Morales) é uma farsa porque “os índios representam apenas 17% da população”, porque o nacionalismo indígena foi “criado em universidades americanos e européias” e “transferido para o altiplano por 1,6 mil ONGs”. Afirma que “o caos foi instalado” e que “a Bolívia tornou-se um país sem lei” com a institucionalização da Justiça Comunitária, ou seja, com o reconhecimento legal pelo Estado das formas de justiça aplicadas há séculos nas comunidades originárias. Medida responsável por “propagar linchamentos entre a população” que agora ocorrem “em média, um por semana”, conclui Teixeira - ou seu editor - sem qualquer menção a origem dessas informações.

Assim como não menciona que o último censo oficial, realizado em 2001, apontou que 66% da população se identificava como indígena. Não menciona Tupac Katari, Bartolina Sisa, Julian Apaza, Pablo Zarate"Willka” e todos aqueles que, desde há muito, construíram lutas e idéias em prol de uma nação onde os indígenas fossem livres e respeitados, antes mesmo de qualquer contato com universidades e ONGs ocidentais. Não mencionam o Artigo 190 da Constituição, que estabelece, entre outras coisas, que “a jurisdição indígena originária camponesa respeita o direito a vida, o direito a defesa e os demais direitos e garantias estabelecidos na presente Constituição”.

O jogo mesquinho de construção do real não diz que linchamentos são um fenômeno urbano, não rural, que está relacionado ao amplo descrédito em relação às instituições da ordem, como a Polícia e a Justiça [1]. O episódio de agressão sofrido por Victor Hugo Cárdenas é atribuído à Justiça Comunitária. No entanto, a “pelea” de certos grupos e movimentos indígenas com Cárdenas é bem anterior ao governo Morales. Cárdenas, um antigo ideólogo do indigenismo Katarista, é considerado traidor por alguns grupos e movimentos indígenas, pois aceitou ser vice-presidente, a partir de 1993, do então presidente Gonzalo Sanchez de Losada, um dos maiores responsáveis pelo avanço de políticas neoliberais, que entre outras coisas entregaram a preços “módicos” os recursos naturais bolivianos às empresas transnacionais.

A manipulação grosseira segue com o caso Patzi. Na versão da revista, o ex-candidato do MAS ao governo de La Paz nas eleições regionais de abril deste ano, o aymara Félix Patzi, foi “flagrado dirigindo bêbado, foi condenado pela Justiça comunitária a fazer mil tijolos. Além disso, teve a candidatura inabilitada. Se Patzi tivesse concorrido ao pleito e vencido, isso tampouco garantiria a sua posse”.

Patzi de fato foi flagrado bêbedo, justamente no momento em que o governo enfrentava os trabalhadores e empresários do setor de transporte, que chegaram a realizar bloqueios de estradas em oposição ao projeto de lei que previa, entre outras coisas, a suspensão da licença para conduzir daqueles motoristas profissionais flagrados bêbados trabalhando. Nesse contexto, o MAS decidiu substituir Patzi pelo também aymara César Cocarico. A Justiça Comunitária entra na história através das bases de Patzi, que em seu povoado aymara, Patacamaya, em busca do perdão que o reabilitaria a ser candidato, estabeleceram que ele deveria construir os tijolos para se redimir. Porém, mesmo cumprindo a pena, o MAS não mudou de posição.

E assim o texto vai distorcendo fatos, chamando a Justiça Comunitária de “brutal arma contra a oposição e ex-aliados de Morales”. Mas, não menciona que boa parte dos adversários do presidente, em geral os governantes de outrora, fugiram do país com medo da Justiça Comum, uma vez aprovada a Lei Anticorrupção Marcelo Quiroga Santa Cruz, que, entre outras coisas, considera que os crimes de corrupção cometidos por servidores públicos no exercício de suas funções são imprescritíveis.

A Veja mente quando afirma que Morales já perdeu o apoio do Conselho Nacional de Ayullus e Markas do Qullasuyu (Conamaq) e da Assembléia do Povo Guarani (APG). É verdade que ambas organizações tem tomado posturas críticas diante de políticas estatais, ou da falta delas, e seguem apostando na mobilização como forma de conquistar direitos, ao invés do apoio apático e incondicional. Porém, uma revista que escreve que os protestos diminuíram nos primeiros anos de governo Morales “já que o presidente controlava os baderneiros” é incapaz de entender que Conamaq e APG seguem fazendo parte da aliança que governa a Bolívia.

A Bolívia, desde as revoltas chefiadas por Tupac Katari, no século XVIII, se caracteriza por grandes mobilizações populares. Os famosos “bloqueios” e “marchas” são estratégias de manifestação do povo boliviano há séculos. Feliz país que se caracteriza pelo dissenso, nada mais democrático. Perigo é o silêncio conivente, a indignação que não toma as ruas, seja por impedimento (como nas ditaduras) ou por indiferença. Manifestações públicas, como as marchas bolivianas e críticas abertas ao governo não são só necessárias, são fundamentais para que se fortaleça um Estado democrático. O dissenso não é uma prova de “farsa”, é uma prova de “saúde” democrática.

Mas, infelizmente a Veja segue disseminando de maneira sistemática sua visão preconceituosa em relação aos povos indígenas e também aos quilombolas, vide a matéria publicada na edição anterior, de número 2163, datada de 5 de maio de 2010, intitulada “A farra da antropologia oportunista”. Nela, a revista atribui a declaração "não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente de cultura indígena original" ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Porém, é vergonhosamente desmentida por Viveiros de Castro que, em uma carta para a revista, afirma: “Nenhum antropólogo que se respeite a pronunciaria”.

A Veja, por possuir essa perspectiva distorcida sobre “o que é ser índio”, afirma, portanto, que Morales não é indígena por não falar aymara fluentemente ou por ser solteiro. Questionamentos como esses tem mais relevância para Veja que a autonomia indígena estabelecida pela nova Constituição, a incorporação da bandeira indígena wiphala como um dos símbolos oficiais do país, a obrigação dos funcionários públicos em aprender uma língua originária falada na região onde trabalham, a criação de três universidades indígenas (uma aymara, uma quechua e uma guarani), a libertação do trabalho escravo de indígenas guaranis em fazendas em Santa Cruz, a erradicação do analfabetismo na Bolívia ou até mesmo o fato do país ter apresentado o maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina (3,2%) em 2009, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), fatos omitidos na matéria.

Evidentemente, o processo político encabeçado por Morales encontra enormes desafios, dissidências e disputas internas, que reproduzem, por vezes, as velhas práticas em busca do poder – conhecidas em todos os países do mundo - mas também muitos boatos, muitas versões. Elementos existentes em todos os processos políticos vivos e pujantes.

A acusação de que Morales divide o país com suas declarações, como disse Jaime Apaza à Veja, são no mínimo curiosas. Afinal, falar em inclusão de grupos tradicionalmente excluídos não significa dividir o país. Um presidente que defende os direitos de grupos invisibilizados há séculos, não profere palavras de “ódio”. Claro, para certas parcelas da população boliviana, sim, as idéias defendidas por Morales são ameaçadoras porque ameaçam privilégios seculares e a manutenção de uma sociedade racista e excludente, em que a origem étnica tradicionalmente “define” quais lugares alguém pode ocupar na sociedade.

Para aqueles que carregam traços indígenas em um país como a Bolívia, onde a circulação de pessoas de origem indígena em certas áreas das cidades era restrita até 1952, o atual processo político e social tem um valor difícil de ser mensurado. E, certamente, impossível de ser taxado como farsa.


Caroline Cotta de Mello Freitas é doutoranda em Antropologia pela Universidade de São Paulo, desenvolve pesquisa sobre direitos indígenas e movimentos sociais na Bolívia. É professora da FESPSP e da FASM, pesquisadora associada ao MUSEF - BO.

Vinicius Mansur é correspondente do Brasil de Fato na Bolívia.

Nota

[1] Afirmação feita pelo representante da Organização das Nações Unidas (ONU) na Bolívia, Denis Racicot, em 24 de março de 2010, durante a apresentação do Relatório sobre os Direitos Humanos na Bolívia em 2009.