"Ou você é livre, ou você não é. Ou você é livre e a coisa é autêntica, real, viva, ou não é nada." (A humilhação, Philip Roth)

domingo, 5 de setembro de 2010

Saudades...

Sinto saudades do frio, dol sol do altiplano, dos Apus, do cheiro de folha de coca, de caminhar por La Paz... sinto saudades de tantas coisas, de tantas "gentes"... sinto saudades da "sopa de letrinhas" paceña, da mistura de pessoas e de sotaques, todos tentando falar espanhol. Tentavivas que às vezes viravam um "frantuguês"(francês+português), "portunhol"(português+espanhol) ou um "itaguês" (italiano+português), quando nos parecia que nos expressarmos em nossas línguas mães seria mais eficiente para a compreesão por parte de nossos interlocutores que também não eram hispano hablantes. Dessa "sopa de letrinhas" participavam, pacientemente, meus amigos bolivianos e espanhóis, que explicavam que essa ou outra expressão não era espanhol, mas português, francês ou italiano... que me entendiam apesar do meu sotaque e que me ensinaram muito!! Não só a falar melhor a língua de Cervantes, mas de tudo. Meus amigos bolivianos me explicavam coisas da Bolívia, da América Latina... E, apesar do esquisito da situação, uma vez que sou latino americana, já não se assustavam mais com o fato de terem que me explicar, por exemplo, quem era esse/essa cantor/cantora famossísimo/a e de quem eu não fazia a mais remota ideia da existência. Aprendi muito. Sobre a América Latina, sobre o Brasil, sobre música, sobre arte, sobre direitos, sobre feminismo, sobre a esquerda e a direita latino americanas, sobre a vida...
Um ano atrás eu estava em La Paz, dividia um apartamento com Christelle, francesa, e passavamos horas conversando, à noite, em frente à janela da sala, que tinha uma vista linda de La Paz. Chris tinha um dicionário francês-espanhol e, como naquela altura nenhuma das duas dominava bem o castellano, esse dicionário era o nosso melhor companheiro nessas tertúlias. Ficavamos ali, sentadas no escuro, admirando a maravilha da cidade, suas ladeiras, suas montanhas, tomavamos mate de coca e dividiamos nossas descobertas cotidianas sobre a Bolívia. Dividiamos nossos avanços e encantamento. Sinto saudades de dividir a paixão e o maravilhamento... Sinto saudades de comer marraqueta (o melhor pão que alguém pode encontrar em La Paz...), de ir ao show do Atajo!, de tomar Paceña ou Huari, de rir por Sopocachi, de ir ao Conamaq, de frequentar as livrarias e bibliotecas de La Paz, de assistir a debates no MUSEF, no Hall da Vicepresidência e no auditório do Banco Central... de ver whiphalas tremulando... de escutar: "Eso no es desfile, es marcha de protesta!!" Esclarecimento para que nenhum transeunte tivesse dúvidas em relação ao que presenciava. Tenho saudades de ver crianças de rostos redondos e corados... do colorido dos aguayos que, nas costas das mulheres, enchem La Paz de cor. Sinto saudades sotaque alteño, do sotaque paceño, de ouvir morenada, cueca e outros rítimos no minibus ou no táxi... Tenho saudades de La Paz e da Bolívia...