"Ou você é livre, ou você não é. Ou você é livre e a coisa é autêntica, real, viva, ou não é nada." (A humilhação, Philip Roth)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Primeira vez que entei na UMSA - Primer Congreso Plurinacional de Antropologia - La Paz, 2009

Hoje começou (vai até sábado, dia 19) o Primer Congreso Plurinacional de Antropologia na UMSA, Universidad Mayor de San Andrés, em La Paz. A programação me parece interessante e contarei mais depois que assistir às apresentações. "De momento" quero comentar meu choque com a precariedade do prédio onde estão os cursos de antropologia e arqueologia. Primeiro preciso dizer que a UMSA, que é a universidade mais importante da Bolívia, está dividida em alguns prédios pela cidade e tem um prédio principal em uma avenida importante, a Av. Villazón. O prédio é imponente e atrás dele estão outros prédios da universidade, conformando um campus pequeno mas, para quem passa pela frente, aparentemente bem estruturado e agradável. Eu ainda não tinha entrado na UMSA, andei em umas bibliotecas pela cidade, mas ainda não fui à biblioteca da universidade...
Hoje, quando finalmente consegui saber onde seria o congresso e tudo o mais, entrei na UMSA... Bom, por telefone, me explicaram que a "careira" (o curso) de antropologia fica em um prédio que está em construção. Ok, imaginei um prédio em obras... não... o prédio está em construção MESMO!!! Impressionante!! O prédio parece estar em construção há uns cinco anos... para entrar, temos que subir uma escada, daquelas de obra, que parece que vai cair a qualquer momento... é verdade que o interior está pronto e as salas tem boas cadeiras/mesas... mas o exterior do prédio dá uma baita má impressão... As instalações da universidade parecem abandonadas... enfim, tudo passa uma sensação de precariedade e pouco investimento. Confesso que foi inevitável me lembrar das Unicoisa ou Unilonge onde eu já dei aulas e no desperdício que são aquelas estruturas gigantes... Desperdício porque nessas Uniqualquernota não nos deixam trabalhar, não há interesse em promover a educação e os estudantes são tratados como clientes, não existe uma preocupação genuína com a sua formação. A maioria dos profissionais que trabalha nessas instituições são pessoas dedicadas e preocupadas com o trabalho que exercem, mas são mal pagos e não recebem qualquer estímulo para aprofundar sua formação. Assim, apesar de seus esforços, vêem seus alunos saírem dessas Faculdades ou Universidades tendo adquirido menos conhecimento do que poderiam ou, pior, deveriam...
A UMSA me pareceu o retrato do estado de coisas na Bolívia... muitas iniciativas, esforços de mudança e pouco dinheiro para investir nesses projetos... no último domingo veio a público o programa de governo proposto pelo MAS, caso Evo Morales seja reeleito presidente. Conversei sobre o programa com Vinícius que me disse, entre outras coisas, que achou um programa desenvolvimentista, que visa industrializar o país a partir de investimentos estatais e etc. No momento não me posicionarei sobre isso, apenas quero dizer que acho compreensível esta proposta e, principalmente, que o projeto me parece necessário. É surreal chegar a um supermercado e perceber que quase nada é produzido na Bolívia. Aliás, minha impressão é de que a única coisa que comprei no supermercado e é de produção boliviana são batatas fritas, tipo Chips... Pelo menos o pensamento produzido por aqui parece original e pujante... a ver como será o congresso... depois conto o que vi e o que achei do que ouvi.

domingo, 13 de setembro de 2009

Coisas que só La Paz tem... e meu momento a la Buñuel em La Paz...

É inevitável traçar, a todo tempo, comparações entre São Paulo e La Paz. A capital boliviana sai ganhando em muitas coisas... é uma cidade muito menor que SP, tem menos trânsito (embora a cidade já pareça prestes a colapsar por conta da quantidade de carros particulares, táxis e vans [os "minibuses", como chamam aqui e dos quais a cidade está coalhada...]), muito menos barulho, tem menos violência urbana e é bastante agradável caminhar por suas ruas. Em comparação a SP é uma cidade pequena e tem ares de cidade pequena. Isto, para quem sai de SP, é bastante agradável.
La Paz também tem uma coisa incrível, mobilizações, marchas e manifestações diárias!! Todos os dias se pode encontrar pelo menos um, ás vezes dois ou três, grupo de pessoas em passeata, reivindicando desde computadores para as escolas públicas, revisão de contratos de trabalho em empresas estatais ou a não implementação de uma nova política de educação superior que, aos universitários, parece prejudicar a educação superior no país. É IMPRESSIONANTE!!! Nas marchas se vêem velhos e velhas, crianças, jovens e adultos... partes da cidade, em geral no centro, ficam paradas. O trânsito é fechado e a polícia (que parece com a polícia de choque brasileira) é chamada e acompanha as manifestações. Até agora, graças ao bom senso coletivo, ainda não vi confrontos entre manifestantes e policiais, mas já soube que acontecem e são como qualquer confronto deste tipo em qualquer outro lugar. Violência, truculência policial, gás e etc... o que surpreende é perceber que mesmo com a chance de ocorrer um confronto com os "pacos" (policiais na gíria), as pessoas não deixam de sair para a rua, e saem... inclusive velhos e crianças... Comentei com uma moça de La Paz que estava impressionada com a quantidade de manifestações e de pessoas participando delas, ela riu e me disse que isso não é nada!! Que atualmente são grupos pequenos e manifestações igualmentes pequenas, que em 2005 muitas vezes as manifestações começavam el El Alto ( cidade próxima a La Paz, onde fica o aeroporto e a uma distância que, de carro, leva-se pelo menos 40 minutos para percorrer)!! Fiquei surpresa!! Ela contou que a manifestação já estava na Plaza Murillo, no centro da cidade e onde fica o palácio do governo, e ainda tinha gente em El Alto para baixar até La Paz. Comentei isto com Ilse, minha amiga e professora de espanhol, e ela confirmou, disse que em 2005 a cidade, por muitos dias, ficou completamente intransitável, só se podia caminhar, carros e outros meios de transporte não podiam circular, tamanha a quantidade de gente que se manifestava pelas ruas da cidade e a quantidade de ruas bloqueadas pelos manifestantes.
As pessoas por aqui são politizadas e se moblizam publicamente por seus objetivos, isto falta em SP e no Brasil...
La Paz também tem o Bolivia FestiJazz Internacional 2009 - http://www.boliviafestijazz.com/2009/programa.htm
Um festival excelente, com jazz da melhor qualidade. Assisti 4 shows incríveis!!! Dois no Teatro Municipal de La Paz (que é lindo e pequeno, antigo, do final do século XIX, parece com os antigos teatros de capitais brasileiras como o Teatro Álvares Carvalho de Florianópolis) e dois em um bar chamado Thelonius. Sempre em boa companhia, ouvi excelente música e me diverti "un montón"!!!
Em La Paz também há um número impressionante de estrangeiros, em especial europeus. Os europeus que vivem aqui não tem a menor paciência com aqueles que vem a turismo, e é engraçadíssimo vê-los falarem mal dos "gringos" ou reclamarem que um lugar está cheio deles como se, eles mesmos, também não o fossem... Mas eu explico a diferença entre essas duas categorias ou classes de gringos. Os que vivem aqui (pelo menos aqueles com quem tive contato...) em geral são de esquerda e trabalham em organizações internacionais, como ONG's e organismos de cooperação internacional, não estão aqui porque é um lugar pitoresco e querem "get crazy" (como ouvi numa festa de música eletrônica na última sexta), mas porque acreditam nos movimentos sociais bolivianos e que podem contribuir para o processo de mudança que está em curso no país. Ou seja, são BEM diferentes dos gringos que vem fazer turismo por aqui...
A balada eletrônica, que se chama Blue e começa mesmo por volta das 3 da manhã, poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, era do mesmo jeito que são as baladas eletrônicas em SP. Era num lugar escondido, parecia ser só para "iniciados", uma porta no meio de um casario da Calle Mexico, no centro. A porta se abria, tinhamos que caminhar por um corredor, escuro e largo, e ao fundo chegavamos a mais uma porta onde estavam uma pista de dança, o bar, algumas mesas, sofás e as pickups. Só teve uma diferença... na hora que decidimos ir embora, por volta das quatro e meia da manhã, fomos informados que ninguém poderia sair porque a polícia estava na porta.(????!!!!!) Bem, ficamos todos dentro do lugar, os donos tentavam resolver as coisas com os "pacos" e, a um dado momento, lá pelas 5, a música foi desligada e começamos a sair em grupos de vinte pessoas, sob as recomendações de fazermos silêncio e pedidos, quase desesperados, de que entrassemos imediatamente em algum dos muitos táxis que estavam parados na porta... foi curioso, não poder sair de uma balada... me senti no meu momento de "O Anjo Extermindor" de Buñuel... rsrsrsrs como o monte de burgueses, nós, também burgueses e na maioria gringos, não podiamos sair da balada onde a maioria tinha "really get crazy"...
Finalmente, ao sairmos da balada, já eram vinte para as seis da manhã e eu e o Vinicius resolvemos voltar para nossas casas a pé... no frio ar da madrugada paceña e desfrutando do belo alvorecer no altiplano... foi a primeira vez que vi o sol nascer em La Paz e espero que não seja a última... mas, sinceramente, espero que este tenha sido meu primeiro e, principalmente, último momento a la "O anjo exterminador" em La Paz ou onde quer que seja!!

Ato HondurasresistenBolivia

Uma das coisas mais interessantes desde que cheguei a La Paz foi me descobrir latino-americana... Os brasileiros não costumam se sentir latinos e isso tem muitas razões, como o fato de não termos sido colônia espanhola e portanto não falarmos espanhol, mas, também penso, talvez isso tenha a ver com o Atlântico ali, quase inteiro a nossa disposição e nos convidando para mirarmos a África, a Europa, o mundo. O curioso é notar que podemos mirar o mundo, mas não o mundo inteiro, porque, de alguma maneira, nos mantemos de costas para o subcontinente do qual fazemos parte.
O sentimento de latinidade estava mais que explícito neste evento que ocorreu no Etno Cafe (na Calle Jaén, centro de La Paz), entre os dias 27, 28 e 29 de agosto. Fui ao evento nos dias 27 e 28, assisti várias apresentações de música, poesia, de artes visuais e uma exposição de fotografias tiradas em Honduras nos dias após o golpe. Todos se sentiam profundamente conectados, irmanados no horror de assirtir ao surgimento de mais uma ditadura na América Latina e, o mais surpreendente, em pleno século XXI... Dava para sentir no ar o temor dos latino-americanos de que isso volte a acontecer em seus respectivos países... Para mim foi bastante forte ver as imagens fotográficas... tinha a sensação de já conhecer aquelas imagens e, aos poucos, me dei conta de que sim, infelizmente, conheço... as imagens são profundamente semelhantes às imagens de repressão às manifestações contra a ditadura no Brasil, não fosse pelas mudanças da moda, as fotos que vi poderiam me ser apresentadas como fotos tiradas nos anos 60, 70 ou 80 em qualquer país latino-americano e eu não duvidadria de sua origem... No momento em que me dei conta disso, ainda no dia 27, senti um frio na barriga... não só me senti mais latino-americana que nunca, como um arrepio de medo me correu na espinha. Quem nos garante que isso não voltará a acontecer no Brasil, na Bolívia, ou onde quer que seja? Evidentemente os processos de contituição da ordem democrática nos diferentes países da América Latina foram e são diferentes, mas quem nos garante que seu desenvolvimento não pode vir a ser interrompido? Ninguém... Honduras é um exemplo disso. No Brasil tendemos a acreditar que tudo mudou e que vivemos uma democracia que se desenvolve de vento em popa. Ok, concordo, temos eleições livres e diretas regularmente e sem maiores percalços, mas a maioria da população é semi-analfabeta e as elites regionais continuam sendo as detentoras do poder político. Nosso regime democrático é recente, são dez anos desde as primeiras eleições diretas para presidente pós ditadura, em 1989. Se é verdade que parecemos ir bem neste quesito no Brasil, também é verdade que é fundamental uma reflexão sobre que democracia e que país almejamos construir. Nem tudo está resolvido e não podemos esquecer que nós, brasileiros, TAMBÉM somos latino-americanos!!