"Ou você é livre, ou você não é. Ou você é livre e a coisa é autêntica, real, viva, ou não é nada." (A humilhação, Philip Roth)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Um ano longe de La Paz... uma carta de amor

Um ano atrás, a essa hora, eu estava em meio a malas, risos e lágrimas... eu me despedia de La Paz. Estava em minha casita em Sopocachi, a terceira na qual morei. Onde voltei a viver com Simona e Lorenza. Onde conheci Sara e Daniela.
Minha última noite em La Paz foi caseira... nessa noite passaram por lá Fanny, Itzi, Sara (que não vivia mais lá), Mariana, Ana Paula, Jessi e Gabo. Ganhei presentes de despedida, muitos abraços e beijos em meio a lágrimas, sorrisos e promessas de um reencontro em breve.
De Daniela me despedi quando saí para o aeroporto. Lore me acompanhou até El Alto, como Elena. Fui a El Alto no táxi de Don Johnny, que me buscou quando cheguei. Fechava um ciclo. Fui recebida em La Paz por Lore e foi ela quem me disse o último "hasta pronto".
Minha última casa tinha uma varanda, dela se podia ver as montanhas ao redor de La Paz e aquela noite estrelada que só o Altiplano tem. Me lembro de ir até a varanda para fumar enquanto tomava meu último mate de coca, olhar a paisagem e pensar em tudo o que vivi e vi por lá, meu coração apertar por eu não saber quando voltaria a ver aquila paisagem e aquela gente que aprendi a amar. Pensei em São Paulo, senti medo... Tudo estava tão bom por lá... Por que mesmo voltar? Porque um ciclo se fechava. Porque a pesquisa tinha sido feita, porque eu precisava qualificar o doutorado, porque eu sentia saudades da família e dos amigos, porque, por mais estranho que pareça, eu sentia saudades da "paulicéia desvairada" e de todas as suas idiossincrasias.
Essa é uma carta de amor.
Amor a La Paz, amor a São Paulo.
Se em La Paz fui feliz, fiz amigos e amigas, trabalhei, dancei, vivi... foi porque em São Paulo, sempre soube, eu tinha uma retaguarda, amigos e amigas, trabalho, dança, vida. Tem coisas que só fizeram sentido em La Paz porque existe São Paulo. Outras só fazem sentido hoje em São Paulo porque existe La Paz. No que diz respeito à minha pesquisa de doutorado isso é óbvio, é mais que evidente. No que diz respeito à minha vida... bom, aí talvez não seja tão evidente... mas eu sei, meus amigos e amigas sabem, isso basta.
Amo São Paulo, amo La Paz. Sinto um amor diferente por cada cidade, mas eles tem a mesma intensidade. Sou o que e quem sou por causa dessas cidades, assim como por causa de Porto Alegre, e de tudo o que elas representam. Eu já disse aqui que me sinto uma pessoa de sorte porque tenho essas três "cidades-casa". Mas São Paulo e La Paz eu escolhi, ou me escolheram, então com elas minha relação é diferente da que tenho com Porto Alegre...
Enfim, levei mais de 12 horas para vir de La Paz a São Paulo (um vôo louco, que incluiu 12 horas no aeroporto de Lima...). Essas horas em trânsito foram fundamentais. Pude ir me acostumando à ideia de não estar mais em La Paz e de voltar para São Paulo. Pude sentir vontade de chegar a São Paulo. Passei mal porque estava em uma cidade no nível do mar e pude começar a me adaptar à "baixitude". A cabeça doía muito... eu achava que era por causa da choradeira na noite anterior e das poucas horas de sono. Depois me dei conta que não, meu corpo estava se readaptando a tanto oxigênio, assim como ele se adaptou à falta dele quando cheguei a La Paz e enfrentei a altitude.
Saí de São Paulo com muita bagagem, em muitos sentidos. Voltei de La Paz com muita bagagem, em muitos sentidos. Uma bagagem renovada, colorida como os aguayos das bolivianas, cheia de vontade de mundo, cheia de música diferente, de poesia diferente, de gentes diferentes. Aos poucos abri as "malas"... ainda estou abrindo... a cada visita que recebo, a cada e-mail que recebo e respondo, a cada papo no skype, a cada post, like ou comentário no facebook, mais uma parte da bagagem se abre, se multiplica. A cada leitura, cada linha, cada apresentação que faço, cada debate do qual participo, cada pensamento que tenho, cada desenrolar da tese, mais uma parte se abre, se desdobra. A minha experiência na Bolívia ganha sentidos, confere sentidos em São Paulo.
Amo La Paz e suas ladeiras; amo o cheiro da cidade; amo o sol inclemente, o céu azul e a noite estrelada; amo a musicalidade boliviana; amo cheiro de coca mascada; amo marraqueta; amo o frio paceño; amo o colorido da cidade; amo os paceños e paceñas; amo dançar morenada; amo as marchas de protesta que agitam La Paz; amo caminhar por La Paz; amo dizer provecho quando entro em um restaurante; amo meus amigos paceños e amigas paceñas e aqueles amigos e amigas que não são de lá mas que a cidade trouxe para mim. Amo La Paz e sinto muita, mas muita, saudade.
Hoje choveu e fez um frio incomum em São Paulo, ouvi Atajo! e me senti em La Paz... ou me esforcei para me sentir... Hoje quero gritar que amo La Paz, que amo a Bolívia e que, porque estou em São Paulo, esse amor só cresce e, sim, voltarei a ver o Illimani não sei quando, mas voltarei.
Não posso terminar essa carta de amor sem mencionar aqueles e aquelas que fizeram minha vida em La Paz mais divertida, intelectualmente interessante e colorida. A ustedes: Simona, Lorenza, Ilse, Mayús, Antonio, Irene, Pablo, Amal, Christelle, Heloisa, Vinicius, Elena, Irene, Fanny, Andrea, Pablo, Itziar, Celine, Hervé, Ana Paula, Vadik, Gabriel, Mariana, Alvaro, Daniel, Sara, Daniela, Jessica, Lisa, Sarah, Federico, Patrice, Valeria, Teo, Mauricio, Marielle, Oscar, Karyn, Akil, Oscar, Lalo, Grazi, Marcos, Agustina, Dado, Patrick, Rommy, Rubia, Flavio, Margaux, Dan-François, Giovana, Annibale, Marco, Miquel, Marina, Henrique, Filipe, Guilherme, Lucas, Justina, Don Johnny, Jessica, Sergio, Ana, Vivian, Nico, Chiara, Rebekka, Rene, Chiara, Sigur, Tere, Toto, Vero, Percy, Laura, y otros y otras a quienes yo probablemente he olvidado, perdón por el olvido y gracias por haberen hecho parte de mi vida en La Paz, gracias por todavía seguiren en mi vida en São Paulo. Mucha saudade de todos y todas!!