"Ou você é livre, ou você não é. Ou você é livre e a coisa é autêntica, real, viva, ou não é nada." (A humilhação, Philip Roth)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Fascinação pelo silêncio de Mary Farrel

( http://www.fronterad.com/?q=fascinacion-por-el-silencio)

(Trad. Caroline Cotta de Mello Freitas)

Hoje é domingo, e a cidade não emite som algum, nem do ocasional pássaro, nem de um carro distraído, nem dos cachorros em seu passeio matinal. Nada. É um silêncio quase total. Não é um silêncio triste, nem ameaçador, nem de uma solidão indesejada, se trata simplesmente de um lindo momento de quietude que me permite refletir sobre o silêncio.

Já faz tempo esse assunto me fascina em todas as suas ramificações. Começou a me intrigar devido a um pequeno mal estar pessoal. Não agüentava as constantes interrupções nas conversas. Esperava com irritação a minha vez. Parecia que todo mundo falava ao mesmo tempo. Quando escutavam? Como sabiam do que falavam os outros?

Em minha formação familiar, ou talvez cultural, a interrupção era considerada falta de educação. Não entendia, portanto, o costume mediterrâneo que, pouco a pouco, se revelava como participativo, simpático e, para minha surpresa, compreensível. As conversas se desenvolviam sem pausas, e se solapavam continuamente. Quando, por algum motivo, chegava o silêncio, se dizia: “Acaba de passar um anjo”.

Deste modo, me dei conta do pouco valor que na cultura espanhola e talvez também na latina, se atribui ao silêncio. Depois de muitos anos vivendo na Espanha, fui viajar com uma amiga de Nova York. Em um dado momento, durante nossa excursão de três dias de bicicleta pela campina inglesa, minha companheira me disse, chateada: “Você não para de me interromper”. Sem me dar conta, tinha adotado o costume latino de interromper constantemente o outro durante as conversas.

Esta experiência me deu ainda mais estímulo para continuar refletindo sobre o significado cultural dos usos do silêncio.

Efetivamente, enquanto certas culturas consideram pernicioso o silêncio durante uma conversa, outras consideram adequado realizar uma pausa de um ou dos segundos depois a intervenção de alguém, para dar margem a outra intervenção. Existem também outras culturas que permitem umas pausas ainda mais longas para dar tempo para pensar sobre o que foi dito e preparar o que se vai dizer em sequência. Estes crêem no dito: “É preciso pensar antes de falar”.

O silêncio, como tema de pesquisa, cada dia me intrigava mais. Inicialmente examinei o contraste entre o silêncio e o ruído. Logo comecei a captar as diferenças entre uns silêncios e outros. Perguntava-me onde se encontram os silêncios e qual era a importância de cada tipo. De fato, existem silêncios pacíficos e silêncios perniciosos. A compreensão de determinados silêncios pode ajudar a fomentar a paz, ou provocar o conflito.

Nossos provérbios e ditos estão cheios de advertências sobre o papel do silêncio em nossas vidas. Por exemplo, em espanhol temos o dito: “O bebê que não chora, não mama”. Sem dúvida, a cultura chinesa prega o oposto: “O pato que grasna recebe a primeira bala”. Ou seja, vai para a panela primeiro. Ou, no Japão se adverte que: “O prego que sobressai é o que recebe a martelada”.

O Evangelho de São João nos conta como Pilatos disse a Jesus: De onde és tu? Jesus não respondeu, atitude que enfureceu ao político que, por sua vez, o ameaçou com essas palavras: Não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e poder para te crucificar? É preciso avaliar os perigos que podem conter certos silêncios. Inclusive, se inventou a tortura para obrigar a falar, e a ameaça de morte para obrigar a calar.

Se poderia fazer uma escala de periculosidade sobre o falar e o calar. Às vezes, a valentia de falar para proteger a justiça custa pouco (oferecer alguns comentários positivos para respaldar uma vítima de assédio no trabalho). Às vezes, a valentia de guardar silêncio custa muito, como no caso da família que protegeu Anne Frank.

Ao longo dos últimos anos refleti muito sobre o papel que tem o silêncio na convivência humana. A seguir mostro alguns exemplos:

No âmbito doméstico, ao nos abstermos de soltar um comentário negativo acalmamos uma situação. No âmbito do trabalho, pode ser importante não meter lenha em uma sessão de fofoca. E, nos âmbitos diplomáticos, de negócios ou de estudos internacionais, convém ser muito cauteloso e observador para detectar as regras não escritas sobre os usos do silêncio. Assim evitaríamos alguns mal entendidos baseados em impressões, interpretações feitas a partir de nossos próprios padrões sociais. Essa pessoa é mal educada, ou está agindo de acordo com algum código de relações diferente do meu?

Hoje em dia se instruem aos alunos das altas escolas de negócios na arte de perceber os códigos silenciosos, e em como agir sem ofender nem ser ofendido. Na sociedade contemporânea é indispensável aprender a calibrar os usos do silêncio.

Quanto a mim, sigo fascinada com o silêncio, ou os silêncios, em múltiplas áreas da vida humana, que, dado sua pouca importância, frequentemente passam desapercebidas. As seguintes categorias incluem variações do silêncio: a filosofia, a arte, a literatura, a música, o cinema, a aventura (o deserto, os pólos, a montanha), a poesia, a espiritualidade, a surdez, o autismo, a saúde e seus tabus, o zero (é um nada), as finanças e a política, a física (o ruído), e o humor (a ironia).

E, talvez, como diz Hamlet: O resto é silêncio.


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